28 de setembro de 2012

A estranha história do primeiro crime ocorrido no metrô de Paris

E como no último post falamos sobre o metrô de Paris, me ocorre contar a vocês a história do primeiro crime ocorrido nele, uma história urbana fascinante, que contribui muito para a mitificação do metrô na sua função social e cultural.

O caso ocorreu no domingo 16 de maio de 1937, precisamente às 18h28 - de acordo com as informações policiais. Laetitia Toureaux, uma jovem operária de origem italiana subiu no metrô nesse horário, na estação Porte de Charenton, que nessa época era a última estação da linha 8. Testemunhas viram-na entrando no vagão, que estava vazio. Laetitia usava um chapéu branco e um vestido azul escuro. 

Na estação seguinte, Porte Dorée, seis passageiros, divididos em dois grupos de três, entram no mesmo vagão. Laetitia lá estava, sentada sozinha. Antes do trem partir, uma dessas pessoas se dirigiu a Latetita, para lhe perguntar se poderia abrir uma janela do vagão, para melhorar a ventilação. Porém, ao se aproximar da moça e ao tocar ligeiramente em seu ombro, seu corpo tombou ao chão, abrindo-se numa maré de sangue. Uma faca da clássica marca Laguiole está cravada na sua garganta. O golpe que a matou foi dado com tanta violência que  a lâmina penetrou completamente em sua carne, até o cabo, e de forma tão profunda que seccionou a medula espinhal. Ela ainda vive, mas morrerá na meia hora seguinte, na ambulância que tentará levá-la ao hospital Saint-Antoine.

Evidentemente, a moça foi morta entre uma estação e a seguinte. Mas... quem a matou? Ao entrar, estava sozinha no vagão. Não havia mais ninguém à bordo. Logo na estação seguinte, estava ferida, quase morta. O assassino não foi percebido, entrou e saiu do vagão, em movimento, e cravou a faca na garganta de Laetitia durante pouco mais de um minuto que o trem levou para percorrer a distâncias entre as duas estações.

O crime suscitou várias interrogações. Nos anos seguintes o mistério restou completo e o assassino completamente invisível.




Claramente o crime ocorreu entre duas estações e o assassino deixou o metrô entre elas.

A imprensa passa a explorar a personalidade de Laetitia Toureaux. Quem é ela? Por que foi morta. Descobre-se que era uma operária, digamos assim, "modelo". Porém, logo se descobre que, nos bairros operários de Paris, ela também atuava como uma espécie de espiã, para uma agência de detetives que investigava os meios italianos imigrados para a França, particularmente uma organização secreta de extrema-direita chamada La Cagoule.

Tratar-se-ia de um, "acerto de contas"? De uma "queima de arquivo"?

Poucos dias após o crime, informações que procuram desconstruir a imagem da moça varrem as redações de jornal. Alguém parece manipular essas informações, como se estivesse a criar falsas pistas para o caso. Os jornais passam a descrever Laetitia como uma ambiciosa alpinista social. Descobre-se que ela era casada, secretamente, com o filho de um industrial importante da França. O casamento era mantido em segredo, para não constranger a posição social da família do marido, afinal a moça era uma simples operária... Ou não?

Também surgem informações sobre eventuais amantes de Laetitia. Pistas aparentemente falsas a transformam numa mulher chamada Yolande, famosa por frequentar clubes noturnos de Paris, envolvida com práticas sadomasoquistas.

De repente, se descobre que Laetitia também fôra empregada por uma agência de espionagem privada, a Agence Rouff. O dono dessa agência, Georges Rouffignac, depõe para a polícia, garantindo que Laetitia prestava serviços, também, para o serviço secreto francês.

Revela-se, então, que ela fôra amante, em 1936, de Gabriel Jeantet, um intelectual de extrema direita com ligações secretas com as máfias siciliana e marselhesa.

Em 1938 a imprensa revela que o assassinato de Laetitia estava relacionado a três outros crimes, todos ocorridos em 1937 e aparentemente sem relação entre si: a morte do economista russo Dimitri Navachine, encontrado morto no Bois-de-Boulogne e as mortes dos exilados anti-fascistas italianos Carlo e Nello Rosselli, dois irmãos mortos a tiros numa estrada que ligava Paris à Normandia.

Essas três mortes pareciam ter sido encomendadas por uma organização de extrema direita chamada Comité secret d’action révolutionnaire (CSAR), popularmente conhecida como La Cagoule, acima citada...

Vai ser preciso esperar 25 anos para que o crime seja solucionado - ou não... Em novembro de 1962 a polícia de Paris recebeu a confissão anônima de um homem que afirmava ter matado Laetitia. O sujeito afirmava ter sido amante da moça e que estava possuído de ciúmes quando a matou. Porém, nada disso explicava as relações com os outros assassinatos, etc... Em quem acreditar? O sujeito foi preso mas, repentinamente, desapereceu da prisão. Fugiu? Foi de lá retirado? Foi, também, assassinado?

Enfim, até hoje, a morte de Laetitia resta encoberta. E o metrô, encoberto com ela.



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